Poeta sergipano do asfalto

13jul12

Matéria originalmente publicada na revista Nego Dito.

Edição de texto: Fabio Navarro

Fotos: Cecília Garcia.

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Déora Lopes conta a quase irreal história de Ivan Costa, o poeta que largou o cartesiano pela métrica

Quando toquei a campainha,
por volta do meio-dia,
o som do violão parou.

Eu e Cecília, a fotógrafa, nos olhamos ressabiadas. Ivan abriu a porta e riu, dizendo que o porteiro confiou muito em nós – já que o morador não fora avisado que duas desconhecidas subiam. Thiago, um rapaz alto, apareceu e nos cumprimentou. Enquanto Ciça arrumava os equipamentos, me acomodei em uma cadeira na sala e constatei que o gravador não funcionava. Ivan sentou-se no sofá azul, embaixo de uma gravura de Picasso, e Thiago noutra cadeira – ambos mais ressabiados que nós. Peguei meu caderno, uma caneta e tentei quebrar o gelo, dizendo que para um apartamento na movimentada Nove de Julho, o lugar era até silencioso.

Conheci o poeta e músico Ivan Costa na Virada Cultural deste ano. Enquanto ia de um palco para o outro, notei uma trupe – no meio de um bololô de gente – empunhando violões e cantando feliz. Malditos hippies? Talvez. Pedi para que minha turma de amigos parasse ali. Algo me pedia para ficar. Um deles, cabeludo, veio até mim com um livrinho em mãos. “Larguei meu emprego no banco e agora vendo meu livro de poesias“. Perguntei o preço, R$3.

Não tenho agora“, menti. Mas a história me interessou e perguntei de onde vinha o rapaz de sotaque malemolente. “Sergipe“, respondeu tranquilo. Contei que era jornalista e que sua história me interessava. Dias depois enviei um e-mail marcando nosso encontro.

Se há brilho, desembrulhe

Ivan nasceu em Estância, cidade de Sergipe com cerca de 60 mil habitantes, onde jogou muita bola pela rua e cresceu feliz. Aos 14 anos, pediu uma guitarra de presente para a mãe. Não ganhou, mas acabou atraído por um violão que pertencera ao pai e vivia encostado em um quartinho de coisas velhas. Conta que a música abriu portas para a literatura em sua vida. Mas, para ganhar dinheiro, fez de tudo um pouco. Viveu quatro anos em Manaus, onde consertava computadores. Abriu uma empresa com o amigo Thiago Nuts, que funcionou por um ano e “faliu, graças a Deus“. Pouco depois, mudou-se para São Paulo. Na primeira vez em que viu a cidade – quando quase foi atropelado –, segurava um violão e uma mala grande. Mudar-se para a terra da garoa tinha um motivo: queria prestar concurso para entrar no banco.

Conseguiu. Arrumou o famoso emprego “pra vida toda” no Banco do Brasil.
Em 2011, empregado no banco, teve um livro publicado pela Biblioteca 24 horasMeus Versos, Meus Universos. No mesmo ano, lançou 140 caracteres – o livrinho que acabei ganhando na Virada –, agora independente.

A publicação, inspirada nos poucos toques do Twitter, traz frases poéticas, poemas e pensamentos soltos como “Agora sim, assim, aterrissei no ar…“.  Amigos de trabalho e até mesmo os clientes mais chegados eram presenteados com um exemplar. Ivan conta que deixava livros no ônibus para que pessoas aleatórias os encontrassem. Uma vez, deu 100 exemplares para um vendedor de balas, pedindo que ele distribuísse junto com seus produtos comercializados transporte público afora. No outro dia, eufórico, o vendedor pediu mais, dizendo que havia vendido tudo.

O estopim se aproximava. Acordar para ir ao trabalho era tortuoso. Não que para o resto da humanidade seja diferente. Durante o expediente, o sergipano que um dia escreveu a bela frase “Hora de partir para a agressão: pôr minha alma para dormir” presenteou uma cliente mais velha com seu livro. A mulher mal leu duas frases e, olhando fundo em seus olhos, disparou:

O que você está fazendo atrás dessa máquina?.

No dia 8 de fevereiro de 2012, o poeta teve sua alforria. Largou o banco e voltou para Sergipe com uma ideia fixa na cabeça: comprar uma Kombi e rodar sem destino para vender seus livros e discos. Antes, ligou para o amigo de infância e sócio na tal empresa de computadores em Manaus com uma pergunta decisiva: “Você tem coragem?“. Thiago teve.

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Chegando em Sergipe, Ivan apressadamente comprou o jornal de classificados local, que o levou até Clarice, a Kombi branca. O primeiro encontro exigiu que o pai do poeta – entendedor de automóveis – estivesse junto. Nascida nos idos de 2002, surpreendeu já no teste-drive: encostou durante a primeira volta no quarteirão. Mas o amor a tudo resiste. Foi levada ao mecânico. Revisada, ganhou além de um sorrisinho na parte dianteira, poemas e frases em sua lataria. Foi com ela que os dois amigos de infância resolveram rodar pelo país.

Com pouco dinheiro e muitos sonhos, uniram o útil ao agradável: elaboraram um roteiro onde pudessem dormir na casa de conhecidos e, assim, conter as despesas. Deram um nome ao projeto, Brincando de Viver. Na Bahia, passaram por Arembepe, Salinas da Margarida, Porto Seguro e Salvador. Em seguida, rumaram para Marataízes, no Espírito Santo. Um dos últimos destinos foi Búzios, no Rio. Repleto de turistas, o lugar poderia ser um prato cheio para os donos de Clarice. “Ficamos dois dias e não vendemos nada“, conta Thiago, rindo. Em contrapartida, tiveram um feliz encontro: conheceram um casal de argentinos que rodava a América Latina de bicicleta vendendo seu CD.

Só neste ano, mais dois livros complementam a produção literária do sergipano: foram lançados 140 Caracteres – Novas Frases e Sinto Muito – tudo independente.
Por enquanto, Ivan e Thiago fixam residência em São Paulo. Dividem um apartamento com mais um amigo, mas estão cheios de planos. Querem continuar rodando por aí. Já Clarice, com seu sorrisinho na parte dianteira, é sucesso absoluto de público e mora num estacionamento empoeirado embaixo do viaduto. Na estrada, alguns olham sem entender nada, outros festejam e buzinam.

Os três – Ivan, Thiago e Clarice – foram parados pela polícia uma única vez. Não havia nenhum problema com documentos, nem com a Kombi. A única pergunta feita pelo guarda foi:

Qual de vocês três sorri mais?“.



1 Responses to “Poeta sergipano do asfalto”

  1. 1 Vagner Larrão

    #ALEXKID


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